Você já se perguntou por que age sempre do mesmo jeito? Mesmo quando não funciona? Ou por que seus relacionamentos seguem padrões tão complicados?
Essa sensação pode ter um nome.
Os transtornos de personalidade afetam cerca de 10% da população. Eles mudam a forma como a pessoa pensa, sente e se comporta. E isso causa muitos problemas no dia a dia.
No consultório, escuto histórias parecidas há anos. Pacientes que lutam com padrões repetitivos. Que sofrem nas relações. Que não entendem por que tudo parece tão difícil.
“Os transtornos de personalidade representam padrões persistentes de experiência interna e comportamento que se desviam das expectativas culturais, são pervasivos e inflexíveis, têm início na adolescência ou início da idade adulta, são estáveis ao longo do tempo e causam sofrimento ou prejuízo” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Mas como saber se você tem um? Este guia vai te ajudar.
Entendendo o que é o transtorno
Os transtornos de personalidade não surgem da noite pro dia. Eles se desenvolvem aos poucos, geralmente na adolescência ou no início da vida adulta.
São padrões rígidos de pensar e agir. Padrões que não mudam facilmente.
Pense em alguém que veste os mesmos óculos há 20 anos. Não consegue enxergar o mundo de outro jeito. Assim são os transtornos de personalidade.
O cérebro fica preso em modos específicos de interpretar tudo.
Ana, minha paciente de 34 anos, tinha uma frase que resume bem: “É como estar presa numa casa com espelhos distorcidos. Vejo tudo torto, mas pra mim parece normal.”
Quem tem um transtorno desses não percebe como seus comportamentos são problemáticos. Vê os problemas sempre nos outros.
E isso complica muito o tratamento.
Sinais gerais que podem indicar um transtorno de personalidade
Você não pode diagnosticar a si mesmo. Só um profissional pode fazer isso. Mas existem sinais que merecem atenção.
Padrões rígidos e inflexíveis de comportamento
Você responde sempre do mesmo jeito a situações diferentes? Seus amigos conseguem prever exatamente como você vai reagir?
As pessoas com transtorno de personalidade têm modos fixos de agir. Mesmo quando não funciona.
Carlos, empresário de 42 anos, sempre achava que os funcionários queriam enganá-lo. Todo atraso virava uma teoria da conspiração.
Toda sugestão era vista como crítica. Ele perdeu equipes inteiras por causa desse padrão.
É como dirigir com um mapa antigo. Você segue sempre pelo mesmo caminho, mesmo quando a estrada já mudou.
Dificuldades persistentes nos relacionamentos
Os problemas nos relacionamentos aparecem sempre. E seguem padrões claros.
Talvez você se afaste quando alguém se aproxima demais. Ou sufoca as pessoas com ciúme e controle. Ou muda de amigos como quem troca de roupa.
Marina tinha um padrão que ela mesma identificou: “Coloco as pessoas num pedestal. Depois me sinto decepcionada e as demonizo. Não existe meio-termo.”
Esses ciclos se repetem em diferentes relacionamentos. Com parceiros, amigos, colegas e familiares.
Percepção distorcida de si mesmo e dos outros
Como você se vê? E como vê as outras pessoas?
Quem tem transtorno de personalidade costuma ter uma imagem distorcida. Pode se achar superior aos outros.
Ou completamente inadequado. Ou alguém que não existe sem a aprovação alheia.
É como usar óculos com a lente errada. Você enxerga, mas a imagem nunca está nítida.
Principais tipos de transtornos de personalidade
Existem dez tipos principais. Eles são divididos em três grupos.
Cluster A: “Estranhos ou excêntricos”
Este grupo inclui pessoas que parecem estranhas ou diferentes.
O transtorno paranoide faz a pessoa desconfiar de tudo e todos. Ela vê ameaças e traições por toda parte.
No transtorno esquizoide, a pessoa é extremamente solitária. Não quer nem precisa de contato social.
O transtorno esquizotípico traz crenças estranhas e comportamentos excêntricos. A pessoa pode acreditar que controla mentes ou prevê o futuro.
João, professor de matemática, evitava qualquer contato social. Vivia sozinho. Não tinha amigos nem parceiros. E o mais curioso: não sentia falta disso. Para ele, pessoas eram um incômodo desnecessário.
Cluster B: “Dramáticos ou emocionais”
Aqui estão os transtornos mais visíveis e dramáticos.
No transtorno antissocial, a pessoa desrespeita regras e direitos alheios. Não sente culpa nem remorso. Pode mentir, manipular e até agredir.
O transtorno borderline (ou limítrofe) traz instabilidade emocional intensa. A pessoa tem medo do abandono. Seus relacionamentos são tempestuosos. E pode ter comportamentos autodestrutivos.
Quem tem transtorno histriônico busca atenção o tempo todo. É teatral, sedutor e emocionalmente instável.
Já o transtorno narcisista envolve um senso grandioso de importância. A pessoa se acha especial, única. Exige admiração constante. E tem pouca empatia.
“Os pacientes com transtorno de personalidade Borderline apresentam um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, com impulsividade acentuada, que começa no início da idade adulta e está presente em diversos contextos” (LINEHAN, 2010).
Cluster C: “Ansiosos ou temerosos”
Este grupo é movido pelo medo e ansiedade.
No transtorno evitativo, a pessoa tem medo da rejeição. Evita situações sociais por se sentir inadequada.
O transtorno dependente faz a pessoa precisar excessivamente dos outros. Ela tem medo de cuidar de si mesma. E faz qualquer coisa para não ser abandonada.
Já quem tem transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade é perfeccionista ao extremo. Precisa de ordem, regras e controle. É rígido e inflexível.
Marcela, contadora, era o exemplo perfeito. Suas planilhas tinham que estar impecáveis. Se alguém movesse um objeto em sua mesa, ela percebia. O perfeccionismo a impedia de terminar projetos. Nada estava bom o suficiente.
Como identificar traços do transtorno
Identificar traços em si mesmo não é fácil. Afinal, para você, seu jeito de ser parece normal.
Preste atenção nos padrões repetitivos. Nos ciclos que você não consegue quebrar.
Pergunte a pessoas próximas. Como elas te descrevem? Quais comportamentos seus incomodam os outros?
Anote situações em que você reagiu de forma extrema. O que aconteceu antes? O que você pensou? Como se sentiu?
Pense nas suas relações passadas. Vê padrões? Erros que se repetem? Situações que sempre terminam do mesmo jeito?
Não se trata de se culpar. É sobre entender.
Processo de diagnóstico
O diagnóstico correto é essencial. E só pode ser feito por profissionais.
Avaliação psicológica e psiquiátrica especializada
Um bom diagnóstico leva tempo. Não acontece numa única consulta.
O profissional precisa conhecer sua história. Precisa ver como você pensa e age. Como lida com diferentes situações.
Na minha prática, levo pelo menos três a quatro sessões para começar a entender os padrões. E mais algumas para confirmar minhas impressões.
Não existem exames de sangue ou de imagem para diagnosticar transtornos de personalidade. O processo é clínico.
Questionários e instrumentos de avaliação
Existem ferramentas que ajudam no diagnóstico. São questionários específicos. Testes psicológicos.
Esses instrumentos não dão o diagnóstico sozinhos. São apenas parte do processo.
Tenho usado o questionário SCID-II com bons resultados. Ele ajuda a identificar traços específicos de cada transtorno.
Os testes são como mapas. Ajudam a navegar, mas não substituem o guia.
Histórico detalhado e observação clínica
Sua história de vida importa muito. Como foi sua infância? Como eram seus pais? Como foi sua adolescência?
Traumas, abusos e negligência na infância aumentam o risco de desenvolver transtornos de personalidade.
A observação do seu comportamento durante as consultas também é fundamental. Como você se relaciona com o terapeuta? Como reage a frustração, críticas ou elogios?
Cláudia, uma paciente de 45 anos, negava qualquer problema. Mas nas sessões, culpava todos por tudo. Nunca assumia responsabilidade. Esse padrão, que ela não percebia, foi crucial para o diagnóstico.
Quando e como buscar ajuda profissional
Se você se identificou com vários pontos deste texto, considere buscar ajuda.
Procure um psiquiatra ou psicólogo com experiência em transtornos de personalidade. Nem todos os profissionais têm essa especialização.
Seja honesto nas consultas. Conte tudo, mesmo o que parece vergonhoso ou estranho.
O tratamento pode incluir terapia, medicamentos ou ambos. Depende do tipo de transtorno e da sua situação específica.
A Terapia Comportamental Dialética tem mostrado bons resultados para transtorno borderline. A Terapia Cognitivo-Comportamental ajuda em vários outros tipos.
Lembre-se: ter um transtorno de personalidade não define quem você é. É apenas uma parte de você. Uma parte que pode melhorar com tratamento adequado.
Tive um paciente que comparava seu transtorno a um sotaque. “Nunca vai desaparecer completamente. Mas posso aprender a falar de um jeito que todos entendam.”
Conclusão
Reconhecer um possível transtorno de personalidade é o primeiro passo. Um passo corajoso.
Os transtornos afetam muita gente. E têm tratamento. Com ajuda profissional, é possível viver uma vida mais equilibrada e feliz.
Se você notou vários sinais em si mesmo, converse com um especialista. O diagnóstico preciso faz toda a diferença.
O caminho não é fácil. Mas vale a pena. Você merece relacionamentos saudáveis. Merece entender seus padrões. E criar novos caminhos.
Dê o primeiro passo. Marque uma consulta hoje.
Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/eb/a/c9V4fxSpWPSgkxsgBmPHn5v/?format=pdf&lang=pt